Os Zuavos da Bahia
Os Zuavos Baianos, oriundo dos Voluntários da Pátria, era unidade composta só de homens negros. Seus vistosos uniformes, segundo Gustavo
Barroso, lembravam os dos zuavos franceses da Argélia. Eles vieram para o teatro-de-guerra em maio de 1865, no navio "São Francisco" (antigo
"Cotopaxi", americano), em número de duas ,companhias. Com eles, o ilustre 1 º Ten de Engenheiros André Pinto Rebouças, da Comissão de Engenheiros do 2º Corpo de Exército ao comando de Osório.
André Rebouças, após sair do Exército depois de um ano na Campanha do Paraguai, aliou-se, em 1880, a Joaquim Nabuco e veio a tornar-se um dos maiores abolicionistas; comparticipação relevante na causa de libertação dos negros no Brasil. O fato de haver seguido para a guerra em companhia de seus irmãos de cor e co-provincianos baianos é muito significativo.
A despedida dos zuavos no Rio de Janeiro contou com o prestígio das presenças de D. Pedro II e do Ministro da Guerra Angelo Ferraz, mais tarde Barão de Uruguaiana.
Eles se encontrariam com o Imperador cerca de 4 meses mais tarde, por ocasião do sítio e rendição dos paraguaios, em Uruguaiana, de cujo dispositivo fizeram parte.
Cândido Lopes, ao focalizar o acampamento de Curuzu, após conquistado pelos paraguaios, focalizou alguns grupos de zuavos da Bahia entre as tropas. Eles tiveram papel destacado na conquista das trincheiras de Curuzu, segundo Arthur Ramos, em "O Negro como Soldado."
O capitão capoeira Marcolino subiu a muralha inimiga por sobre as costas de um de seus soldados, retirou uma bandeira paraguaia, hasteou o pavilhão verde-amarelo no seu lugar e,
segundo Manoel Querino, anunciou: “Está aqui o negro zuavo baiano!” A coragem do Zuavo Marcolino foi louvada em ordens do dia, registrada naimprensa do Rio de Janeiro e de Salvador, e posteriormente lembrada por folcloristas, entre eles Querino
Os zuavos integraram, no início da guerra, cerca dos 57 Batalhões de Voluntários da Pátria, os quais, com· as baixas ocorridas durante a guerra foram se fundindo e se reduziram a 19. Assim, logo após os primeiros embates, a tropa de zuavos foi sendo incorporada às outras, depois de dissolvidas por Osório.
O Conde D'Eu em seu livro
"Viagem Militar do Rio Grande
do Sul" em 1865, escreveu sobre os zuavos da Bahia:
"É a mais linda tropa do Exército Brasileiro. Compõe-se unicamente de negros. Os oficiais também são negros; e nem por isso piores oficiais, pelo contrário. Conversei propositadamente muito tempo com eles. Estavam a par de todos os pormenores do serviço e orgulhosos do seu batalhão."
Pouco depois de as tropas aliadas atravessarem o rio Paraná e invadirem o sul do Paraguai em abril de 1866, Francisco Otaviano de Almeida Rosa escreveu jubiloso, de Buenos Aires, ao ministro da guerra: “Um abraço pelos nossos triunfos. Vivam os brasileiros, sejam brancos, negros, mulatos ou caboclos! Vivam! Que gente brava!”
O entusiasmo do diplomata brasileiro pelos feitos militares dos seus patrícios não brancos coloca a questão do impacto da guerra na política racial brasileira.
Muitos ecoam a declaração de Otaviano e vêem a guerracomo uma experiência racialmente compartilhada que forjou a nacionalidade nos campos de batalha.
A história de Cândido da Fonseca
Galvão, mais conhecido como Dom Obá II (o título iorubá por ele adotado no Rio de Janeiro na década de 1880), que serviu numa das companhias de zuavos criadas na Bahia em 1865-66, revela a complexidade da experiência de guerra para a população negra.
Profundamente monarquista, Dom Obá destacava seu serviço ao imperador como evidência do seu pertencimento à nação brasileira, mas também publicava críticas sofisticadas da discriminação racial que ele e o resto da população negra enfrentavam.
Por que o governo baiano resolveu recrutar companhias de zuavos e couraças em 1865 ainda é um mistério. Recrutar companhias de homens negros negava a bem-estabelecida política militar de não levar em conta acor dos soldados. As últimas unidades segregadas nas forças armadas brasileiras (os batalhões milicianos de homens pardos e pretos) tinham sido extintas em 1831, quando da criação da Guarda Nacional. O último vestígio da preferência racial no recrutamento, isto é, a exclusão de “homens pretos” das fileiras do Exército, foi abolido em 1837, quando o
governo do Regresso sentiu a necessidade de aumentar o seu efetivo.
Desde então, o Exército seria uma instituição formalmente cega à cor da pele, e que levava essa política ao extremo: na fé-de-ofício padrão
não tinha lugar para indicar a cor do soldado e, portanto, o Exército não podia fornecer essa informação básica às autoridades policiais encarregadas da captura de desertores
A proposta para a criação de companhias negras na Bahia veio de fora do Exército, como grande parte da mobilização patriótica de 1865-66.
Quirino Antônio do Espírito Santo se ofereceu, no dia 26 de janeiro de 1865, para organizar um “respeitável corpo de voluntários” de “cidadãos crioulos”, “que pelo seu denodo, coragem e amor àpátria recordariam mais uma vez os valorosos combatentes sob o comando do celebre Henrique Dias”.
Quirino invocou o patriotismo que tinha sentido durante a guerra pela Independência (1822-23) e proclamou que, “impelido por uma força sobrenatural venho oferecer-me ao
governo para ir combater em prol da honra, integridade e soberania do Império, que vis gaúchos pretendem insanamente macular"
A proposta foi logo aprovada e, no dia 1º de fevereiro, Quirino se instalou no Forte do Barbalho e começou a organizar a companhia. Dentro de poucos dias, tomou o nome de “zuavos baianos” e o presidente aprovou uma subscrição para fardar os novos recrutas com o uniforme garboso das tropas coloniais franceses na Argélia. Desconheçoo porquê da decisão de adotar o nome e o uniforme das tropas coloniais francesas. Na década de 1860, a moda zuava de bombachas vermelhas,colete azul bordado e pequeno boné ou fez já havia sido amplamentedivulgada entre diversos exércitos, tais como as forças do Norte e doSul na guerra civil norte-americana e as tropas internacionais do papa.
Onze companhias de zuavos, com um efetivo total de 638 homens, bem como uma companhia de couraças, de 80 homens, embarcaram na Bahia para o Rio de Janeiro e os campos de batalha antes demarço de 1866 (há alguns indícios de uma tentativa de criação de umadécima segunda companhia de zuavos, mas é provável que seus integrantes fossem para o Sul na qualidade de recrutas.
Muitos dos líderes da primeira fase da mobilização baiana haviam lutado na guerra pela Independência. Quando Quirino embarcoucomo tenente comandante da Primeira Companhia de Zuavos, seu comandante era o tenente-coronel José da Rocha Galvão, outro veterano
da Independência.
José Elói Buri, capitão da Companhia de Couraças, também foi veterano das lutas de 1822 e 1823. Os couraças, aliás, lembravam os vaqueiros do sertão, vestidos de couro, que haviam
se juntado aos patriotas que sitiavam os portugueses em Salvador. A essa lista de veteranos da Independência envolvidos na mobilização de 1865, podemos acrescentar o tenente-coronel Domingos Mundim Pestana, comandante do Terceiro Batalhão de Voluntários da Pátria, quehavia assentado praça em 1821, com a idade de 15 anos, bem como ocoronel Joaquim Antônio da Silva Carvalhal, o principal idealizador daSociedade Veteranos da Independência e figura chave na organização das companhias de zuavos
Poucos dos veteranos idosos resistiram aos rigores da campanha. Quirino faleceu em novembro no hospital de Montevidéu, e Pestana, doente e cego, já estava de volta a Salvador em fevereiro de 1866;morreu dois anos mais tarde. Outros resistiram por mais tempo. RochaGalvão foi morto durante a primeira batalha de Tuiuti (24 de maio de1866), e Buri sucumbiu ao cólera três dias antes de sua licença médicater sido anunciada, em fins de 1867. Enquanto podiam servir, todavia,
suas idades lhes garantiram o respeito de seus soldados, a julgar por
uma descrição da Primeira Companhia de Zuavos durante uma curta
escala em Desterro (hoje Florianópolis): Quirino foi descrito como “umvelho preto [que] parece um verdadeiro homem de bem, a quem os seussoldados respeitam-no como a um pai”
Nasua despedida da Segunda Companhia de Zuavos, Carvalhal conclamouos a combater “denodados contra os paraguaios como o intrépido e imortal Henrique Dias combateu outrora os holandeses e na gloriosa épocada Independência o denodado tenente-coronel Manoel Gonçalves [da
Silva], fazendo sobressair o valor e [a] bravura da vossa cor”.
Para oembarque da Primeira Companhia de Zuavos, Francisco Moniz Barreto,então o poeta baiano mais popular (e também um veterano da Independência), escreveu às pressas o “Hino dos zuavos baianos”, cuja primeira estrofe e o estribilho são bem representativos da retórica patriótica
de 1865:
"Sou crioulo: da guerra na crisma
Por zuavo o meu nome troquei
Tenho sede de sangue inimigo
Por bebê-lo o meu sangue darei
D’Henrique Dias
Neto esforçado
Voo ao teu brado
Pátria gentil!
Mais que o da França
Ligeiro e bravo
Seja o zuavo
Cá do Brasil"
Em 1870, três batalhões de Voluntários da Pátria voltaram à Bahia. Foram recebidos com muita festa e logo depois dissolvidos. Muitos solda-
dos deram baixa sem receber os soldos atrasados que o governo ainda lhes devia. Poucos oficiais ou soldados das companhias de zuavos
estavam entre os veteranos que voltaram naquele ano. Carvalhal preparou uma coroa de louros para receber o capitão Barbosa, o único oficialzuavo mencionado pela imprensa baiana na sua cobertura das festas.
Em versos dedicados a Carvalhal, um poeta saudoso lamentou o falecimento dos “nossos velhos amigos”, Rocha Galvão, Buri e Quirino, osveteranos da Independência que haviam servido como exemplo à juventude baiana, e logo passaram a bandeira à nova geração.
A carreira militar dos oficiais zuavos, agora melhor qualificadosde ex-zuavos, pode ser seguida durante o resto da guerra. Muitos ingressaram as longas listas de baixas que se acumulavam nas trincheiras em frente da fortaleza de Humaitá e nos insalubres acampamentos alia-
dos. Além de José Elói Buri, o tenente Manoel Teodoro de Jesus faleceu de cólera. Um “ferimento de estilhaço de bomba” foi a causa da
morte do tenente Augusto Francisco da Silva em março de 1867, e mais dois oficiais dos ex-zuavos morreram de ferimentos ou de doenças.
Outros, como os capitães Marcolino e Maniva, deram baixa por incapacidade física não especificada, entre eles também o alferes Bernardino de Sena Trindade e o tenente Balbino Nunes Pereira. Poucos serviram por toda a guerra. O capitão João Francisco Barbosa de Oliveira, comandante da Terceira Companhia de Zuavos, fez toda a campanha, mas não foi promovido (de fato, nenhum ex-zuavo chegou a major; capitão foi a graduação mais alta alcançada por eles).
Ferido duas vezes, Barbosa nunca pediu licença, como explicou com orgulho num requerimento pós-guerra; ele estava entre as tropas que mataram Francisco Solano López em Aquidabã.
O cadete Constantino Luiz Xavier Bigode foi capturado pelos paraguaios pouco depois da Batalha de Curupaiti e passou mais de dois anos como prisioneiro de guerra, trabalhando na fundição de Ybicuí. Liberado em 1869, ele voltou ao serviço e foi promovido a alferes em março de 1870.
José Soares Cupim Júnior teve menos sorte que Barbosa e Bigode. Um dos primeiros voluntários zuavos (assentou praça na PrimeiraCompanhia no dia 1º de fevereiro de 1865), ele embarcou como sargento, e durante a guerra aos poucos foi promovido até chegar a capitão.Louvado por atos de bravura na Batalha de Curuzu, foi ferido na segunda Batalha de Tuiuti (24 de setembro 1867). Restabeleceu-se e voltouao serviço, mas foi ferido no primeiro dia das lutas em Lomas Valentinas(21 de dezembro de 1868). Não resistiu e faleceu no dia 13 de janeirode 1869, pouco depois da ocupação aliada de Assunção. Em 1871, sua viúva, dona Panfília Luiza Tolentino Soares, passou a receber uma pensão anual de 720 mil-réis.
O parlamento aprovou a pensão para viúvas de mais quatro oficiais zuavos falecidos: Sabina Joana do Espírito Santo (viúva de Quirino), Francisca Maria da Conceição (viúva de Tolentino), Josefina das Trevas Lima (viúva de Inocêncio) e Arcanja de
São Miguel Silva Serra (viúva de Augusto Francisco da Silva).
Infelizmente, nenhum desses homens deixou documentos que possam revelar sua visão política de forma tão extensa como fez o alferes Candido da Fonseca Galvão, melhor conhecido na década de 1880 no Rio de Janeiro como Dom Obá II, numa longa série de artigos nosjornais fluminenses. Como a maioria dos veteranos, eles se reintegraram à população livre e pobre de cor da qual tinham sido recrutados.
Em Salvador a memória dos zuavos perdurou. No início do século XX, Manoel Querino registrou seus nomes e seus feitos militares a partir de
tradições orais.
Fonte: O Exército e a Abolição. Claudio Moreira Bento/OS COMPANHEIROS DE DOM OBÁ:OS ZUAVOS BAIANOS E OUTRAS COMPANHIAS NEGRAS NA GUERRA DO PARAGUAI
Hendrik Kraay
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