A antiga capoeira carioca.
Por Matthias Röhrig Assunção.
O Rio de Janeiro teve a capoeira mais desenvolvida de todas as cidades brasileiras durante o século XIX. Originalmente desenvolvida por africanos escravizados e crioulos, ela se espalhou para as classes livres mais baixas durante o curso do século. Maltas, ou gangues de capoeira, se formaram em uma base territorial ao redor de praças de igrejas e bairros vizinhos. Durante a última parte do Império Brasileiro, essas maltas se congregaram em duas federações abrangentes, os Nagoas e os Guaiamus. Os Nagoas se aliaram ao partido Conservador, e os Guaiamus aos Liberais, ajudando-os a fraudar eleições. Por essa razão, o novo regime republicano reprimiu as gangues de capoeira após a proclamação da República em 1889. Centenas de capoeiras conhecidos foram presos e deportados para Fernando Noronha, uma ilha distante do Atlântico, e outros locais. A prática da capoeira e as gangues foram proibidas pelo novo Código Penal Republicano. Os praticantes podiam ser condenados à prisão e trabalho forçado por seis meses, e penas ainda mais severas eram prescritas para os líderes de gangues.
O Malho (revista)
A capoeira desapareceu das ruas do Rio de Janeiro. No entanto, o quanto dela sobreviveu em locais mais discretos é uma questão controversa. Alguns afirmam que as técnicas de luta da capoeira ainda eram passadas em bairros populares ou favelas. Prata Preta, um líder do motim antivacinação em 1904, confiou em suas habilidades de capoeira para defender as barricadas de seu bairro na área portuária (representado à esquerda, em uma caricatura da revista O Malho ).
Algumas das técnicas corporais foram recicladas na batucada, ou pernada carioca, um jogo que acompanhava apresentações informais de rodas de samba. Várias técnicas, principalmente chutes, começaram a ser ensinadas em academias de artes marciais por pessoas como Jaime Ferreira e Sinhozinho na década de 1930. E muitos vagabundos (malandros) usavam técnicas de capoeira em brigas de rua. Sete Coroas era um malandro famoso, supostamente um dos professores de Satã. De longe, a mais famosa delas é Madame Satã.
Por KK Bonates – Luiz Carlos de Matos Bonates
Em 10 de novembro de 1904, uma série de protestos populares ocorreram nas ruas do Rio de Janeiro, então capital da República, contestando a vacinação compulsória contra a varíola, o que resultou em confrontos com as forças de segurança que duraram até 16 de novembro. Para conter a rebelião popular, o estado de sítio foi decretado e a obrigação de vacinar foi revogada. Essa convulsão social foi chamada de “Motim da Vacinação”.
Essa convulsão social foi chamada de “Motim da Vacinação” ou “Quebra do Poste” e seu balanço oficial foi de 30 mortos, 110 feridos e 945 pessoas presas na ilha das Cobras [quartel-general da Marinha na Baía de Guanabara]. Estes últimos foram então deportados, se estrangeiros, e exilados para o norte do país, se brasileiros, principalmente para o Acre, na época, território federal recém-incorporado ao Brasil.
Uma das figuras de destaque dessa revolta foi o estivador e capoeira Horácio José da Silva, conhecido como “Prata Preta”, que é reconhecido por muitos por sua liderança em um dos principais redutos da resistência popular, a barricada do Porto Arthur, localizada no bairro da Saúde, assim chamada em referência à violenta batalha ocorrida na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905).
O banimento dos socialmente indesejáveis para a Amazônia, lugar distante, fronteiriço e rústico, remonta à época da colônia portuguesa e se estende às primeiras décadas da República. A grande maioria desses indesejáveis era caracterizada como sendo pobres, criminosos ou promotores de desordem social.Capoeira Contemporânea
Prata Preta: uma capoeira exilada
Por KK Bonates – Luiz Carlos de Matos Bonates
Em 10 de novembro de 1904, uma série de protestos populares ocorreram nas ruas do Rio de Janeiro, então capital da República, contestando a vacinação compulsória contra a varíola, o que resultou em confrontos com as forças de segurança que duraram até 16 de novembro. Para conter a rebelião popular, o estado de sítio foi decretado e a obrigação de vacinar foi revogada. Essa convulsão social foi chamada de “Motim da Vacinação”.
Essa convulsão social foi chamada de “Motim da Vacinação” ou “Quebra do Poste” e seu balanço oficial foi de 30 mortos, 110 feridos e 945 pessoas presas na ilha das Cobras [quartel-general da Marinha na Baía de Guanabara]. Estes últimos foram então deportados, se estrangeiros, e exilados para o norte do país, se brasileiros, principalmente para o Acre, na época, território federal recém-incorporado ao Brasil.
Uma das figuras de destaque dessa revolta foi o estivador e capoeira Horácio José da Silva, conhecido como “Prata Preta”, que é reconhecido por muitos por sua liderança em um dos principais redutos da resistência popular, a barricada do Porto Arthur, localizada no bairro da Saúde, assim chamada em referência à violenta batalha ocorrida na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905).
O banimento dos socialmente indesejáveis para a Amazônia, lugar distante, fronteiriço e rústico, remonta à época da colônia portuguesa e se estende às primeiras décadas da República. A grande maioria desses indesejáveis era caracterizada como sendo pobres, criminosos ou promotores de desordem social.
Na maioria dos casos, o tratamento de “grandes bengalas” indesejáveis, ou seja, aqueles da burguesia, como oficiais militares de alta patente, políticos influentes e jornalistas, era diferente do tratamento de “pequenas bengalas” vindas das classes mais baixas. Como regra, a “grande bengala” era processada, mas continuava a viver em seu local de origem. Ele era primeiro preso, depois anistiado e retornava à vida pública.
O transporte dos desterrados de 1904 para o Acre era feito por navios movidos a vapor conhecidos como “Itas”, pertencentes à “Companhia Nacional de Navegação Costeira” e contratados pelo Governo Federal para o transporte dos desterrados.
Os prisioneiros eram mantidos nos porões dos navios em condições promíscuas e sem direito de subir ao topo, sendo vigiados por um forte contingente de militares.
Três navios foram responsáveis pelo transporte dos deportados de 1904 - Itaipava, com duas viagens, Itaperuna e Itapacy, com uma viagem cada,
A viagem entre o Rio de Janeiro e Belém do Pará durava, em média, onze dias, e entre Belém e Manaus, cinco dias. Em Manaus, os deportados eram transferidos para barcos regionais de menor calado, as gaiolas ou barcaças. Esses barcos seguiam então até o Território do Acre e, dependendo do destino ali, navegavam por um dos três afluentes do Rio Amazonas, os rios Madeira, Purus ou Juruá. Se o porto de destino fosse Penápolis (antiga Vila Empreza, atual Rio Branco) ou Senna Madureira, o tempo médio da viagem era de 15 dias. Para ir até Cruzeiro do Sul, sede do Departamento do Alto Juruá, eram cerca de 20 dias.
Prata Preta, um indesejável “caneca”, foi preso em 17-11-1904, às 9 da manhã, do lado de fora das trincheiras do “Porto Arthur”. Ele portava dois revólveres, uma faca e um canivete; seu corpo estava marcado por hematomas causados por uma espada. Diz a lenda que ele comandava cerca de 2.000 rebeldes. Ele foi levado junto com outros 96 prisioneiros para a Ilha das Cobras para depois ser embarcado para o Acre.
Não há muita informação bibliográfica ou tradição oral sobre Prata Preta. O pouco que temos vem de jornais, revistas e almanaques do período, que dependendo de sua postura ideológica (pró-monarquia, republicana ou anarquista) afirmam ou negam sua liderança popular, tornando-o um herói ou um vilão, como mostram os exemplos a seguir:
Essa convulsão social foi chamada de “Motim da Vacinação” ou “Quebra do Poste” e seu balanço oficial foi de 30 mortos, 110 feridos e 945 pessoas presas na ilha das Cobras [quartel-general da Marinha na Baía de Guanabara]. Estes últimos foram então deportados, se estrangeiros, e exilados para o norte do país, se brasileiros, principalmente para o Acre, na época, território federal recém-incorporado ao Brasil.
Prata Preta é um homem presumivelmente de 30 anos, alto, de compleição robusta, completamente imberbe. Sua fama de homem valente e briguento não era exagerada, pois era visto nos pontos mais perigosos das trincheiras e barricadas, atirando de fuzil nas forças atacantes… Parece que Prata Preta era considerado o General Stoessel de Porto Arthur do bairro da Saúde.”
A Notícia , 16 e 17/11/1904, XI, n 271, p 1.
A muito custo foi levado para a Delegacia Central, sendo previamente desarmado… deu seu nome como Horácio José da Silva e foi obrigado a vestir uma camisa de força, e colocado na cadeia. Este negro tem o apelido de “Black Silver” e, por sua bravura como famoso encrenqueiro, fora proclamado chefe das revoltas do distrito da Saúde.”
Jornal do Commercio , 17/11/1904, n 521, p 2.
… um homem negro terrível, um verdadeiro demônio. Esse homem negro, alto, musculoso, forte entre os mais fortes, logo assumiu uma certa supremacia, assumindo as funções de chefe das masmorras. Armado com um grosso pedaço de cabo, logo entrou espancando bestialmente, ferozmente, seus companheiros de infortúnio, só os abandonando quando o sangue vermelho esguichou das feridas”
Jornal do Brasil , 28/12/1904, p. 2.
Tudo era mentira, mas ainda havia “Black Silver” ali…um preto! Fomos então conhecer a história do celebrado Prata. Agora, Prata também é adepto de saques. Não se sabe até agora qual personagem mais se destacou nas famosas perturbações. Prata Preta costuma parar nos bares das ruas Conceição e São Jorge., Ele é um grande bebedor, e costuma ficar bêbado. Os últimos conflitos o excitaram, tanto quanto ele excitava as rameiras, fazendo-as gritar “mata”! em ataques histéricos. Nosso Prata Preta nunca foi corajoso.”
↑ Gazeta de Notícias , 18/11/1904, "A última ilusão", p. 2.
Sobre o degredo de Prata Preta para o Acre encontramos algumas referências em jornais que apenas citam o fato, mas devido ao uso partidário e ideológico do nome Prata Preta pela imprensa e à falta de documentação plausível que o sustente, o que resta são pistas, indícios e algumas evidências de que Prata Preta foi realmente degredado e só retornou ao Rio de Janeiro anos depois.
Sobre essas pistas e evidências, citamos aqui a crônica de Armando Sacramento “O K. Abrahão” e a descrição de um carro alegórico do carnaval de 1905 que tinha como tema a barricada “Port Arthur” do bairro da Saúde:
Ainda perseguido pelo homem dos óculos, um dia K. Abraham quase foi levado para o Acre junto com o Prata Preta. Após algumas explicações foi jogado para fora e desde então, para evitar outro emaranhado semelhante, não saiu mais de cena.”
O Rio Nu , 3/4/1905, edição 695, página 2.
O Porto Arthur, do bairro da Saúde, é outro carro alegórico de crítica. Num vagão onde se lê a inscrição – Hospital de sangue, há um grande canhão… coberto. Do lado direito, uma faixa vermelha indicava o espírito guerreiro de façanhas incômodas sob a liderança do intrépido Prata Preta. Lâmpadas quebradas cercam o carro, em sublime verve de espíritos democráticos. Uma guarda de honra de acreanos, carregando o machado e a caneca que os regenerará na terra da borracha.”
↑ Gazeta de Noticias , 3/4/1905, "Pepinos Carnavalescos", edição 63, página 2.
Por fim, Silva (2013) informa, sem maiores detalhes, que Prata Preta foi exilado para o Acre em 25 de dezembro de 1904 e embarcado no navio Itaipava junto com centenas de outros deportados desconhecidos.
Segundo Bonates (2016); Bonates & Cruz (2020) o registro documental mais antigo da presença da capoeira no Estado do Amazonas até a data deste ensaio é de 1899, porém, evidências indicam comportamentos sociais relacionados à cultura da capoeira ou à ação de capoeiristas em datas anteriores, que podem ser rastreados até a época da Revolta da Cabanagem (1835-1840).
Intrigante é o fato de a capoeira não ser mencionada nas notícias amazônicas até as festividades carnavalescas de fevereiro de 1905, portanto logo após a chegada dos degredados. Os registros aumentam até 1920, quando o ciclo econômico da borracha entra em colapso e só reaparecem a partir de 1972, com a chegada de Julival do Espírito Santo, o mestre de capoeira Gato de Silvestre, em pleno boom econômico da Zona Franca de Manaus.
A construção da memória sobre Sete Coroas, o mais famoso “bandido” da Primeira República
No início da década de 1920, um morador anônimo do morro e favela – hoje conhecido como Morro da Providência – realizou um assalto inusitado durante um funeral de gala. A quantidade e a qualidade dos objetos roubados nessa ação resultaram em um apelido pelo qual em pouco tempo ele seria conhecido em toda a cidade do Rio de Janeiro: Sete Coroas. Seus roubos audaciosos fizeram sua trajetória sair dos registros policiais e ganhar manchetes nas páginas policiais de jornalistas, palcos de teatro e entrar para a obra de escritores e compositores de música popular.”
Rômulo Costa Mattos, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Rio de Janeiro, pesquisou a história de Sete Coroas e teve a gentileza de disponibilizar seu artigo em nosso site. Por enquanto só temos em português o texto A Construção da Memória sobre Sete Coroas, o mais famoso "criminoso" da Primeira República.
O discípulo
Conheci Leopoldina em 1965, aos 18 anos. Ele tinha 31 anos e, apesar de estar em ótima forma, cheio de energia, com um corpo magro e musculoso, muito tonificado, seu rosto parecia o de um homem muito mais velho. O curioso é que, com o passar dos anos, seu rosto e corpo permaneceram quase os mesmos.
Eu cursava a Escola de Engenharia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), localizada em uma ilha da Baía de Guanabara chamada Ilha do Fundão. Leopoldina ensinava capoeira na Atlética, departamento de esportes de lá.
Leopoldina era gentil e amigável com os alunos. Ele não permitia que um aluno mais velho ou mais experiente batesse em um iniciante. Ele carregava os alunos mais interessados para o samba, candomblé e umbanda, para os morros e para os desfiles de carnaval na Avenida Presidente Vargas.
Mestres Nestor Capoeira e Leopoldina
Foi um grande Mestre sem nem mesmo tentar sê-lo, que introduziu aqueles universitários, eu entre eles, à cultura “popular” brasileira; à filosofia da malandragem de alto astral – “o bom negócio é bom para todos” (em oposição à chamada Lei Gérson, “eu tiro o melhor de todos”, os 171 fraudadores e golpistas comuns); e com uma abordagem radical e revolucionária em relação às mulheres e ao sexo em comparação à moral burguesa e às abordagens machistas: “Ninguém é de ninguém”.
Leopoldina achava que as aulas de capoeira deveriam ser ministradas apenas duas vezes por semana, e que deveriam durar uma hora; o restante do tempo seria para rodas e brincadeiras.
Seu método de ensino consistia em um breve aquecimento (uma corrida pela sala e alguns polichinelos), alguns golpes e contragolpes em duplas de alunos (semelhantes aos que ele aprendeu com Artur Emídio , que por sua vez baseou isso nos exercícios do Mestre Bimba). Ocasionalmente, havia treinamento de chutes, com os alunos se aproximando de uma cadeira em uma fileira e dando um golpe sobre a cadeira um por um, e no final da aula, havia uma roda de quinze a vinte minutos. As aulas geralmente tinham de quatro a oito alunos. Leopoldina nunca foi o que seria considerado "bem-sucedido" em termos de número de alunos, nem lecionou por mais de cinco anos no mesmo local.
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