A AJUDEM A CONTINUAR NOSSO TRABALHO DE CAPOEIRA ACEITAMOS DOAÇÕES: MATERIAIS E EM DINHEIRO C/P AG 3041 013 00016364-7 CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PALESTRAS, WORKSHOP, Email: mestrebicheiro@hotmail.com cel. 011993040746

domingo, 5 de outubro de 2014

Peleja de Riachão com o Diabo


Peleja de Riachão com o Diabo
Autor: Leandro Gomes de Barros
Riachão estava cantando 
Na cidade de Açu, 
Quando apareceu um negro 
Da espécie de urubu, 
Tinha a camisa de sola 
E as calças de couro cru.

Beiços grossos e virados 

Como a sola de um chinelo 
Um olho muito encarnado 
O outro muito amarelo, 
Este chamou Riachão 
Para cantar um martelo.

Riachão disse: eu não canto 

Com negro desconhecido, 
Porque pode ser escravo, 
E anda por aqui fugido 
Isso é dar cauda a nambu 
E entrada a negro enxerido.

Negro - Eu sou livre como o vento 

A minha linhagem é nobre, 
Eu sou um dos mais ilustres 
Que o sol deste mundo cobre 
Nasci dentro da grandeza 
Não saí de raça pobre.

Riachão - Você nega porque quer 

Está conhecido demais, 
Você anda aqui fugido 
Me diga que tempo faz 
Se você não foi cativo, 
Obras desmentem sinais.

N - Seja livre ou seja escravo 

Eu quero é cantar martelo, 
Afine a sua viola 
Vamos bater-se em duelo 
Só com a minha presença 
O senhor está amarelo.

R - Vejo um vulto tão pequeno 

Que nem o posso enxergar, 
Julgo que nem é preciso 
Minha viola afinar 
Pela ramagem da árvore 
Vê-se o fruto que ela dá.

N - Riachão isto são frases 

De homem muito atrasado, 
Porque são vistos fenômenos 
Que na terra têm se dado 
Uma cobra tão pequena 
Mata um boi agigantado.

R - M eu riacho pela seca 

Dá cheias descomunais 
Na correnteza das águas 
Descem grandes animais 
Jibóias, surucujubas, 
E monstruosos "Jaguais"

N - O Jaguar rende-m e culto 

A serpente aos meus pés morre 
No que chegar minha ira 
Só um poder o socorre 
Eu digo ao rio, pare aí! 
A água pára e não corre...

R - Você não é Josué 

Que mandou o sol parar 
E esse parou três dias 
Para a guerra se acabar 
Nem Moisés que com a vara 
Fez o mar também secar.

N - Faço tudo que eu quiser 

Minha força não tem limite 
Os feitos por mim obrados 
Não vejo homem que imite 
Eu determino uma coisa 
Não há força que a evite!

R - Salomão também fazia 

O que queria fazer 
Por meio de mágica ou química 
Quis segunda vez nascer 
M as em vez do nascimento 
Conseguiu ele morrer.

N - Salomão facilitou 

Confiado na ciência 
Encaminhou tudo bem 
M as faltou-lhe a paciência 
Se não fosse aquele erro 
Tinha tido outra existência.

R - Eu necessito saber 

onde é seu natural 
Porque não sei se o senhor 
Tem nascimento legal 
De qual nação é que vem 
Se procede bem ou mal.

N - Você vem interrogar-me 

Eu lhe interrogo também, 
Diga para onde vai 
E de qual parte é que vem 
Se é solteiro, ou casado 
Diga que profissão tem?

R Não tenho superior 

Sou filho da liberdade 
E não conto a minha vida 
Pois não há necessidade 
Porque não sou foragido 
Nem você é autoridade!

N - É preciso advertir-lhe, 

Fazer-,lhe observação 
M e trate com muito jeito, 
Cante com mais atenção! 
Veja que não se descuide 
E passe o pé pela mão!

R - Eu, para cantar repente, 

Já estou muito habilitado: 
Conheço algumas matérias, 
Sou um pouco adiantado 
Tive estudo quatro anos, 
Me considero letrado!

N - Sou professor de matérias 

Que sábio não as conhece; 
A lei que dito no mundo, 
O próprio rei obedece 
Meus feitos são conhecidos, 
A fama se estende e cresce.

R - Você diz que tem ciência, 

Dê-m e um a explicação: 
Se a Terra faz movimento 
De quem é a rotação? 
Porque.é que em 12 horas 
Há um a transformação?

N - Não é o Sol quem se move, 

Este é fixo em seu lugar, 
A Terra está sobre os eixos, 
Os eixos a fazem rodar, 
Que, por essa rotação 
Faz a luz do Sol faltar.

R - Descreva o grande mistério 

Que entre nós a Terra tem: 
De que é formada a chuva? 
Em que estado ela vem? 
Se é criada aqui perto 
Ou noutro lugar além?

N - A água em estado líquido 

Por meio de abaixamento 
Que há na temperatura, 
E pelo resfriamento 
Essa água é condensada, 
Ajudada pelo vento.

A corrente atmosférica 

De um a montanha elevada, 
Que ajuda a temperatura, 
Forma nuvem condensada. 
Do vento movendo as nuvens 
É disso a chuva formada,

Que essa chuva, depois 

Que toda a Terra ensopar, 
Por meio da evaporação 
Torna ao espaço voltar, 
Reproduzindo, o processo 
Que acabei de lhe tratar.

R - O senhor conhece bem 

Este país brasileiro? 
Ora, respondeu o Negro: 
N - Eu conheço o estrangeiro
Desde o córrego mais pequeno 
Até o maior ribeiro!

Por exemplo, o Amazonas, 

Que extrema com o Pará; 
O Pará com o Maranhão, 
Piauí com o Ceará, 
E assim todos os outros 
Se alguém duvida, vá lá!

E se qualquer um daqui;

Pretendendo viajar
Até o Rio de Janeiro 
E não querendo ir por mar, 
Eu lhe ensino o caminho 
Ele vai sem se vexar.

R - Como faz essa viagem? 

Onde se encontra o caminho? 
Lugar de uma só morada, 
Sem haver mais um vizinho 
Tanto que, em muitos lugares 
Não anda um homem sozinho!

N - Pode qualquer um sair 

Do Açu ao Mossoró; 
Querendo pode passar 
Na cidade Caicó, 
Subir pela margem esquerda 
Do rio de Seridó

Riachão disse consigo: 

- Esse negro é um danado! 
Esse saiu do Inferno, 
Pelo Demônio mandado, 
E para enganar-me veio 
Em um negro transformado!

Disse o negro: - Meu amigo, 

não queira desconfiar, 
Garanto que o senhor 
Não ouviu bem eu cantar, 
Na altura que eu canto 
outro não pode chegar!

R - Vá na altura em quer for! 

Riachão lhe respondeu. 
Remexa todos os livros 
Que o senhor aprendeu 
Eu não conheço esse ente 
Que cante m ais do que eu!

N - Você ficará sabendo 

O peso de um cantador 
Quando me ver outra vez 
Me trate de professor, 
Render-me-á obediência, 
Conhecerá meu valor!

R - O senhor diga o seu nome, 

Eu quero lhe conhecer, 
Pois só assim posso dar-lhe 
O valor que merecer,
Em tudo que você diz 
A inda não posso crer.

N - Você, sabendo quem sou 

Talvez que fique assombrado, 
Superior a você 
Comigo tem se espantado 
Os grandes da sua Terra 
Eu tenho subjugado!

R - Eu canto há dezoito anos, 

Há vinte toco viola, 
Sempre encontro cantador 
Que só tem fama e parola 
Quando canta meio dia, 
Cai nos meus pés, no chão rola.

N - Eu já canto há muitos anos, 

Não vou em toda função, 
Arranco pontas de touro, 
Quebro o furor do leão, 
Nunca achei esse duro 
Que para mim tenha ação.

R - Garanto que de hoje em diante, 

O senhor tem que encontrar 
A força superior 
Que o obrigue a se calar, 
Porque eu boto o cerco, 
Quem vai não pode voltar!

N - Manoel, tu és criança, 

Só tens mesmo é pabulagem! 
Vejo que falar é fôlego, 
Porém obrar é coragem 
Juro que' de agora em diante 
Não contarás mais vantagem!

R - Meu pai chamava-se Antônio, 

Seu apelido era Rio; 
De uma enxurrada que dava 
Cobria todo o baixio 
Secava em tempo de inverno 
Enchia em tempo de estio.

N - Conheci muito seu pai, 

Que vivia de pescar,
Sua mãe era tão pobre, 
Que vivia de um tear 
Seu padrinho tomou você 
E levou-o para criar.

R - Onde mora o senhor, 

Que meu avô conheceu? 
Que eu nem me lembro mais 
Do tempo que ele morreu 
E você está parecendo 
Muito mais moço que eu!

N - Eu sei do dia e da hora 

Que nasceu seu bisavô,
Chamava-se Ana Mendes 
A parteira que o pegou 
E conheci muito o frade 
E o vi quando o batizou.

R - Bote sua maca abaixo 

Conte essa história direito,
Da forma que você conta 
Eu não fico satisfeito 
Como ver-se um objeto 
Antes daquilo ser feito?

N - Seu bisavô se chamava

Apolinário Cancão
Era filho de um ferreiro 
Que o chamavam Gavião
Sua bisavó Lourença 
Filha de Amaro Assunção.

R - Mas que idade tem você, 

Que me faz admirar? 
Conheceu meu bisavô 
Eu não posso acreditar, 
Assim destas condições 
Faz até desconfiar.

N - Seu bisavô e o avô 

Foram por mim conhecidos, 
Seu pai, sua mãe, você 
Antes de serem nascidos 
Já estavam em minha nota 
Para serem protegidos.

R - Que proteção tem você 

Para proteger alguém? 
Sua pessoa e os trajes 
Mostram o que você tem 
A sua cor e aspecto 
Esclarecem muito bem.

N - Eu protejo você tanto, 

Que o defendi de morrer 
Você se lembra da onça 
que um a vez quis lhe comer 
Que apareceu um cachorro 
E fez a onça correr?

R - Me lembro perfeitamente 

Quando a onça m e emboscou 
Já ia marcando o salto 
Quando um cachorro chegou 
A onça correu com medo, 
Eu não sei quem me salvou..
.
N - Pois foi este seu criado 
Que viu a onça emboscá-lo 
Eu chamei por meu cachorro 
Para da onça livrá-lo 
Se lembra quando você 
Ouviu o canto dum galo?

R - Eu me lembro disso tudo 

Porque assim foi passado; 
Mas que idade tinha eu 
Quando esse caso foi dado? 
Eu era tão pequenino 
Que m eu pai teve cuidado.

N - Você tinha nove anos 

Foi caçar um novilhote 
Se entreteu com umas flores 
Que tinha lá no serrote 
A onça foi esperá-lo 
Para sangrá-lo no bote.

Riachão disse consigo: 

- De onde veio esse ente, 
Que de toda minha vida 
Conhece perfeitamente? 
Este, será que é o Diabo 
Que está figurado em gente?

N - O senhor pergunta assim 

De que parte venho eu... 
Eu venho de onde não vai 
Pensamento como o seu 
E saí do ideal 
Primeiro que apareceu!

R - Agora acabei de crer 

Que tu és o inimigo! 
Te transformaste em homem, 
Para vir cantar comigo, 
Mas eu acredito em Deus 
Não posso correr perigo!

N - Ainda não, lhe ameacei, 

Nem pretendo ameaçá-lo! 
Estou pronto a defendê-lo, 
Se alguém quiser atacá-lo 
Em minha humilde pessoa, 
Tem um pequeno vassalo!

R - Não quero saber de ti, 

Porque tu és traidor: 
Desobedeceste a Deus, 
Sendo Ele o Criador! 
Fizeste traição a Ele 
Quanto mais a um pecador...

N - Riachão, amas a Deus 

Sendo mal recompensado! 
Deus fez de Paulo um Monarca 
De Pedro um simples soldado 
Fez um com tanta saúde, 
Outro cego e aleijado!

R - Se Deus fez de Paulo um rei, 

Porque Paulo merecia 
Se fez de Pedro um soldado, 
Era o que a Pedro cabia: 
Se não fosse necessário, 
O grande Deus não fazia!

N - O teu vizinho e parente 

Enricou sem trabalhar; 
Teu pai trabalhava tanto 
E nunca pode enricar 
Não se deitava uma noite 
Que deixasse de rezar!

R - M eu pai morreu na pobreza, 

Foi fiel ao seu Senhor! 
Executou toda ordem 
Que lhe deu o Criador 
E foi um a das ovelhas 
Que deu mais gosto ao pastor!

N - Arre lá! Lhe disse o Negro. 

Você é caso sem jeito!
Eu com tanta paciência, 
Estou lhe ensinando direito 
Você vê que está errado, 
Faz que não vê o defeito!

R - É muito feliz o homem 

Que com tudo se consola! 
posso morrer na pobreza, 
Me achar pedindo esmola 
Deus me dá para passar 
Ciência e esta viola!

O negro olhou Riachão 

Com os olhos de cão danado,
Riachão gritou: - Jésus,
Homem Deus Sacramentado! 
Valha-me a Virgem Maria, 
A Mãe do Verbo Encarnado!

o negro, soltando um grito, 

Dali desapareceu. 
De uma catinga de enxofre 
A casa toda se encheu, 
Os cães uivaram na rua,
O chão da casa tremeu.

Riachão ficou cismado 

Com cantor desconhecido, 
Que, quando encontrava um, 
Tomava logo sentido 
O seu primeiro repente 
Era a Deus oferecido.

Essa história que escrevi 

Não foi por mim inventada: 
Um velho daquela época 
Tem ainda decorada. 
Minha aqui só são as rimas 
Exceto elas, mais nada!

Nenhum comentário:

Postar um comentário