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segunda-feira, 12 de março de 2018

Eram a "Flor da gente", Capoeiristas?


Eram a "Flor da Gente", Capoeiristas.?
Guilherme Arehgui

história dos combatentes capoeiristas, que ocorreu em paralelo com a guerra. Esse
passado será trabalhado pelas dúvidas do tempo presente, o que sugere uma ponte
entre esses dois espaços, fornecendo informações para que possamos dialogar com
o tempo. Por fim, tentarei demonstrar aqui, como a capoeira serviu de instrumento pra
um projeto político da elite, que após sua serventia, descartou sua pratica e seus
praticantes.
INTRODUÇÃO: Em 1864, o Brasil passava por um dos momentos de maior
importância militar, de toda a América do sul, a guerra do Paraguai. Esta guerra que
perdurou por longos seis anos, teve como participantes, a tríplice aliança, composta
por: Brasil, Argentina e Uruguai, que lutavam contra o Paraguai.(Cf. DORATIOTO,
Francisco. in: maldita guerra). Detalhes deste confronto não serão expostos aqui,
mas, um fator que, pertinentemente me chama a atenção, é a denominação dada
aos combatentes forçados à juntar-se no contingente da artilharia, os “voluntários da
pátria”.
Podemos presumir que o Brasil, ainda como monarquia, não possuía um
contingente abrangente para o território nacional, e para suprir essa demanda, o
imperador D. Pedro II, ordena que todos os jovens, filhos dos fazendeiros, fossem
lutar, mas, que também, os fazendeiros poderiam substituir seus filhos, por negros
escravos, gerando uma nova forma de comercialização de suas mercadorias vivas -
o aluguel. (cf. DORATIOTO). Era comum nesse meio tempo, que aqueles senhores
que possuíam um alto número de escravos, alugassem seus negros para outros
senhores da elite, gerando uma renda extra, até a informação da morte de tal negro,
ou o seu retorno.

Grandes porções de negros foram amarrados com correntes e forçados a
irem para a batalha, chegando lá praticamente vencidos pelo cansaço, eram alvos
fáceis para os inimigos. Outra lei, garantia a alforria para negros que lutassem no
campo de batalha e retornassem como vitoriosos, onde aí sim, entram em cena, os
negros que já dominavam as técnicas de luta corporal, pois, na falta do rifle,
carregado com pólvora, pela boca do cano, os capoeiras faziam de seus corpos,
uma verdadeira arma de matar. “No combate corpo a corpo, os fuzis de pederneira,
carregados pela boca a cada tiro, eram de pouca valia após a primeira descarga. Os
golpes da capoeira, aprendidos nas ruas da distante cidade do Rio de Janeiro, eram
a arma de que se valia o soldado negro ou mulato brasileiro, não apenas do Rio,
mas também de Recife e Salvador. Nos campos da peleja, os capoeiras forjaram
sua lenda.” (Brasil, 2008:45).
Este episódio é de extrema importância para a História brasileira, pois ele foi
o início da construção de um dos pilares para a queda do regime escravista, onde o
retorno do negro vencedor, não fez cumprir-se a lei que o alforriava, gerando um
conflito com o alto comando militar, e a corte imperial, pressionando o imperador
para que houvesse a libertação de todos.
A capoeira desde os primórdios de sua criação, sempre teve no Brasil, um
almejo pela liberdade. Durante todo seu percurso no tempo histórico, ela partiu do
caráter marginalizado, para a glória, tanto dela como um todo, e também de seus
praticantes.
Os “voluntários” que conseguiram retornar da batalha em bom estado, sem
perdas anatômicas e psicológicas, foram recompensados com congratulações
cedidas pelo Exército Nacional, medalhas e até a tão esperada carta de alforria, mas
por outro lado, alguns capoeiras que já estavam alforriados e eram tidos como
lideres de gangues, perderam território enquanto guerrilhava. Eis que surgem as
maltas de capoeiras, organização para que, de um modo injusto, conseguissem
reaver o domínio de tal território.
As maltas eram compostas por capoeiristas experientes, ou não, que tinham
como meta arrecadar dinheiro para a sobrevivência de seu contingente, seja de
modo moralmente correto ou não. Existiram diversas maltas, verdadeiras gangues
na cidade do Rio de Janeiro, durante a segunda metade do século XIX. Essas
maltas trouxeram contribuições significativas para o estudo da capoeira na
contemporaneidade, como no exemplo de um pluralismo cultural Ibérico, onde houve
a introdução da navalha, da bengala, das cantigas de roda, inclusive o sentido da
palavra, mestre.
Várias maltas do Rio de Janeiro obtiveram o respeito da população, muito
provavelmente pelo medo do que eles eram capazes de fazer, dentre elas,
destacam-se as maltas: guaiamum; nagôas; carpinteiros de são José; conceição da
marinha; glória; lapa; moura e também a flor da gente. Essa última malta, tem um
apreço para este trabalho, pois o artigo estudado aqui, faz referência a ela, como
sendo responsável por um projeto político: a guarda-negra. JoséPatrocínio, esboçava sua visão, através do jornal Cidade do Rio, onde enxergava a guarda-negra – ao menos nos primeiros meses – como: “uma encarnação e política da gente negra, recém arrancada do cativeiro”.
(BRASIL, 2008:46).
Ou seja, após séculos de escravidão, essa gente podia se
 Expressar politicamente em praças pública, claramente a favor da monarquia, que
em seus entendimentos, a medida da regente princesa Isabel, com a assinatura da
Lei Aurea, os libertou.
Soares nos conta em seu artigo, que a elite política tinha outros planos para
os capoeiristas. “impressionados pela agilidade corporal, os antigos oficiais
comissionados, agora membros da elite política da cidade do Rio de Janeiro,
pleitearam nas sombras, transformar os ex-combatentes, em aliados políticos.
Capangas à disposição das novas refregas do tempo de paz.
Assim, a capoeira entra no palco político. Não a micropolítica dos escravos,
como se viu nos cinquenta anos do século retrasado, mas a política dos salões, dos
partidos – liberal e conservador – das ante-salas do parlamento, das eleições
concorridas, dos votos cabalados, do regime parlamentarista.” (BRASIL, 2008:47).
Nesse contexto, surge a segunda depreciação da capoeira, pois a malta flor
da gente, é “contratada” por um importante membro do partido conservador, o
Duque Estrada Teixeira. Essa malta, ficou encarregada de “varrer” os eleitores
liberais das urnas, e também, de derrubar,
 literalmente, os candidatos opositores dos
palanques. Isso se deu logicamente pelo uso da capoeira, e assim, na eleição de
1872, a vitória do Duque Estrada, fora comemorada. Com a vitória do “patrão”, os
maltenses extrapolavam cada vez mais, atacando e agredindo os eleitores
oposicionistas, fraudavam as urnas, fingindo serem os eleitores ausentes,
 votos e sempre, culminavam em grossa pancadaria.
No decorrer dos anos, o mundo já se livrava do sistema escravagista,
sobrando para o Brasil o “prêmio lanterna negra”, simbolizando este ser um dos
últimos países a abolir a escravatura. Com isso, alterava-se também o eixo da
economia, transferindo o plantio do café para o Estado de São Paulo, inclusive a
fama da malta flor da gente. Após intensas crises e rivalidades entre os partidos
conservadores e liberais, como bem expõem o documento aqui estudado, (cf. pág.
50 e 51) alguns negros pertencentes a diversas maltas, criam, sob a autorização dos
monárquicas, a guarda-negra.5
O vandalismo que estava no íntimo dos guardas, prevalecia muitas vezes, e
isso gerou novos conflitos entre os partidos, que por sua vez, ao tornar o Brasil, uma
República, o Marechal Deodoro da Fonseca, participante dos republicanos,
convocou o advogado Sampaio Ferraz, para assumir a chefia da polícia, e por um
fim na capoeiragem. O excerto6
 a seguir, traz referências ao conteúdo aqui
apresentado.
“Entraria em cena, outro capoeirista, chamado Sampaio Ferraz, nomeado como o primeiro
chefe de polícia da novel República, o qual recebeu a incumbência de eliminar o problema da
Capoeira no Rio de Janeiro da parte do próprio do Chefe do Governo, Marechal Deodoro da
Fonseca.
 Sampaio a princípio diz tratar-se de um problema difícil, pois havia muitos filhos de famílias
distintas e poderosas que faziam uso da mesma, todavia, Deodoro lhe conferiu garantias pessoais
para agir com “carta branca” no sentido de exterminar os capoeiras. À vista disto ficou decidido que
“todos os capoeiras, sem distinção de classe e posição, seriam encerrados no xadrez comum da
detenção, tratados ai severamente e pouco a pouco deportados para o presídio de Fernando de
Noronha, onde ficariam certo tempo, empregados em serviços forçados”.
De posse, então desta missão, Sampaio Ferraz, de imediato deu início a esta empreitada,
contando com o apoio de outros capoeiristas, entre eles, Silva Jardim, Lopes Trovão, Coelho Neto e
Plácido de Abreu. Entretanto, conforme havia previsto, “os mais perigosos chefes de maltas de
capoeiragem, eram filhos de famílias ilustres e até de titulares, de almirantes e de altos funcionários
do Paço”, os quais foram igualmente presos, tal fato acabou gerando a primeira crise do governo
republicano, quando a 12 de abril de 1890, fora preso praticando Capoeira, José Elysio dos Reis,
conhecido por Juca Reis, o filho do Conde de Matosinhos, mas como a ordem já estava posta, não
houve como recuar.
Assim, entram os Capoeiras para a história republicana, numa dupla situação: primeiro por
“causarem a menos de cinco meses, a primeira crise do governo provisório, quase pondo abaixo o
Ministério de Deodoro, ocasião em que pediu renúncia o Ministro das Relações Exteriores, Quintino
Bocaiuva”, e em segundo, por se tornarem, não sem assassinatos legalizados e torturas, os primeiros presos políticos da república, sendo deportados para o Arquipélago de Fernando de Noronha.
No mesmo ano, a prática da Capoeira foi incluída no Código Penal da República como
contravenção, onde permaneceu assim, nos cinquenta anos seguintes. Entretanto, aqueles que dela se utilizavam como uma prática esportiva estava ilesos das ações policiais.” (VIEIRA,2004:2)
Por fim, Sampaio Ferraz fez seu trabalho de acabar com os capoeiras das
maltas, e consequentemente, pois fim na guarda-negra.
O que fica evidente nesta leitura, é como a nossa tradição é mutável, como
ela sofre influências externas para moldar-se em um perfeito aproveitamento de
quem a pratica. Acho que posso citar sem erros, o conceito apresentado pelo
pesquisador François Hartog, onde ele trabalha o conceito de regime de
historicidade, dizendo que este conceito é uma justiça à ordem temporal.
Atualmente, muito se fala em ancestralidade, tradição e cultura,
principalmente nas pesquisas com a capoeira, e tendo a História como um olhar do
presente para o passado, fica fácil entendermos a evolução que temos atualmente.
Para conseguirmos entender os reais motivos, do porque a capoeira ainda ser
discriminada, devemos buscar no passado as informações que processaremos no
tempo presente, como por exemplo, a vandalização que os capoeiristas praticavam
na segunda metade do século XIX, não cabe nos dias atuais. O processo político
hoje, não comportaria o processo político daquela época, isso é a noção do tempo
histórico, é sabermos respeitar as diferenças de tempo vivido em cada momento.
Se olharmos hoje, para o perfil dos capoeiristas pertencente às maltas,
certamente será consenso que eles jamais poderiam serem chamados como tal, e
sim, de meros apropriadores da arte para usa-la em causa própria. Uma vez que
temos atualmente, a capoeira como ferramenta de inclusão social, patrimônio
cultural imaterial brasileiro, divulgadora da cultura brasileira, profissão reconhecida,
entre outros tantos fatores.
 Mas a partir do ponto de vista do passado, (o presente de 1870) a definição
de um bom capoeirista, era justamente a valentia de se lutar capoeira contra
qualquer indivíduo, mostrar sua força, e ter ela como meio de representação social.
Entendo o título deste trabalho, como sendo uma enquete de difícil fechamento,
deixando lacunas de profundas discussões, cabendo a nós, entendermos como se
deu esse processo de transformação da nossa arte capoeira. E aí, eram a flor da
gente, capoeiristas?


BIBLIOGRAFIA
BRASIL, Ministério das Relações Exteriores – Revista Textos do Brasil, edição
14. Brasília, 2008.
VIEIRA, Sergio Luiz de Souza – Capoeira – Origem e História. Da Capoeira:
Como Patrimônio Cultural. Tese defendida na PUC/SP, 2008.
HARTOG, François – Regimes de Historicidades, Ed. Autêntica, 2014.
DORATIOTO, Francisco – Maldita Guerra, Ed. Cia das letras, 2002.
Postado por Mestre Bicheiro 

Um comentário:

  1. Sim eram capoeiristas pois haviam os que praticavam de forma lúdica entre eles e como forma de defesa. Pertencer a malta era um meio de vida errado é claro mas foi uma época . Essa malta era composta de ex-soldados do exércitos que lutaram no Paraguai e quando voltaram não obtiveram do governo as promessas de liberdade.

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